Crônica de uma criança.
por O.Heinze
Em 1970 eu tinha onze anos de idade quando fui campeão regional de judô do Grande ABC Paulista, que corresponde a sete cidades a sudeste da região metropolitana de São Paulo. Consequentemente teria que disputar o Campeonato Paulista na capital.
No dia do evento minha mãe não pôde me acompanhar, pois tinha que cuidar de um outro filho, cinco anos mais novo que eu. Meu pai estaria trabalhando, então, meu professor (sensei) me levaria. Peguei um ônibus circular até a academia, mas meu professor não estava lá.
Com atraso, chegou um estranho em sua perua Kombi antiga, dizendo ser ele quem me conduziria ao local. Fiquei inseguro, mas o acompanhei.
No meio do longo trajeto o veículo quebrou e depois de uma hora foi consertado.
Quando chegamos ao evento, todos atletas já estavam perfilados e o portão do alambrado trancado. Saltei a grade para me juntar aos atletas e fui severamente repreendido pela organização, disseram-me que eu não poderia mais participar da disputa. Depois de muita explicação da minha parte, resolveram deixar eu lutar.
Eu sentia uma enxaqueca alucinante, não sei se por não ter almoçado, pelo nervosismo do atraso, ou o desamparo dos adultos, pois nem o senhor que me havia levado, eu sabia onde encontrar.
Uns parentes vieram ver minha luta, mas numa parte distante nas arquibancadas, que eu não podia ir.
Ao esperar pela minha vez, sentou ao meu lado um homem, dizendo que seu filho iria me enfrentar, e me apontou um judoca faixa marrom, maior e mais pesado do que eu, falou ainda, com sarcasmo, que eu jamais o venceria, que me pagaria o almoço caso isso acontecesse.
Minha graduação era três vezes inferior ao do filho dele, mas isso não me preocupava, nem nada que ele tagarelava, pois o que me matava era a terrível dor de cabeça.
Eu bem que tentei lutar quando chegou a hora, mas por conta da dor, realmente não conseguia impor esforço na luta, que acabei perdendo. Em seguida, ainda fui zombado pelo pai do vencedor.
Sentia-me constrangido, sozinho e amargurado naquele momento. Talvez meus parentes tenham se decepcionado comigo, pois logo que finalizou o combate, levantaram e partiram.
Mas para um menino de onze anos de idade, acho que eu até que suportei bem esse traumático dia. Perdi a luta, mas me fortaleci em minha individualidade espiritual e pessoal. Aprendi que na vida, a única pessoa com quem eu poderia contar, era eu.
Hoje, depois de décadas, lembrei desse fato e meus olhos marejaram. Aquela sensação desse dia ainda corre dentro de mim.
Nunca devemos julgar e até condenar uma pessoa, apenas pela aparência, pois somente ela sabe dos dramas e glórias que se assomam nela. Das virtudes e defeitos que a conduzem.
Que principalmente as crianças e adolescentes possam ser sempre amparadas, respeitadas, fortalecidas e amadas em todos os ambientes.
Que possamos tentar pressentir a condição alheia, antes de tirarmos conclusões precipitadas.
Esporte não é guerra, mas um caminho para a paz.
Santo André SP Brasil
31/7/2024.
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