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quarta-feira, 28 de setembro de 2011

DUAS ÉPOCAS DE UMA MESMA FEIRA / por O.Heinze


Hoje é sábado, dia de ir à feira. Pego meu carrinho-de-feira velho e barulhento e saio para a rua. O dia é ensolarado, daqueles de céu totalmente azul. Vou subindo a ladeira de mais ou menos duzentos metros onde, há estacionados caminhões dos feirantes e carros dos fregueses. Um olhador de carros faz de conta que cuida deles enquanto suga profundamente seu cigarro e olha para o nada. Já estamos em 2011! Nos anos 1960 essa rua era de terra, não existiam olhadores e muito menos ladrões de carros. Depois a revestiram de paralelepípedos e chegaram os ladrões de automóveis e hoje ela está com asfalto novinho e sempre tem olhadores. São poucos caminhões e muitos carros. Quando eu era criança quase não havia carros, muito menos casas com garagens. Dezenas de caminhões da feira disputavam vagas por aqui lotando as ruas. Lembro que eu e meus amigos subíamos sobre as carrocerias deles para brincar, enquanto seus donos estavam lá na lida.

Estou a cinquenta metros da feira e o cheiro de fritura toma conta da atmosfera. Meu coração já está acelerado, o pulmão buscando mais ar por causa da subida forte. Ah que saudade daquele ar de antigamente. Pronto, cheguei! Eis a feira! Um circo a céu aberto. Lugar que adoro vir e interagir com os feirantes e todos os outros atores desse teatro fantástico. Nos dias de hoje essa feira tem dois quarteirões de comprimento, mas a quarenta e cinco anos atrás ou mais ela tinha seis. Aqui se vendia até animais vivos do tipo: galinhas, porcos, coelhos, cabritos, perus, etc. Hoje, tudo já está abatido e pronto para consumo. Naquela época havia três fileiras de barracas que vendiam de tudo e mais um pouco e elas eram enormes. Hoje são apenas duas fileiras e ainda rareadas. Com a modernização e aparição dos supermercados as feiras estão extinguindo, infelizmente. Logo aqui de cara, com seus odores marcantes, temos as bancas de peixes, frangos e miúdos de boi. Do outro lado ovos, cebolas e batatas. Vou cumprimentando em voz alta os conhecidos feirantes e também os que eu não tenho amizade, esses que chamam a atenção para a barraca deles, tentando me ganhar como novo freguês, A feira está cheia e é preciso ser malabarista para não trombar com ninguém, afinal, muita gente está no mundo da lua procurando o que precisa comprar. Há também cachorro de rua, feirante puxando carrinho de caixas, criança pequena escapando da mão da mãe. Um pedinte sentado no chão faz um gracejo e me estica a mão. O vendedor de frutas fala para a moça bonita que ela não paga nada se pegar de sua mercadoria. Passo pela banca de limões e freio! Duas comadres com seus carrinhos atravancam a passagem do povo, paradas no meio do fluxo em conversa alta e animada que de repente vira mexericos. Faço a volta e continuo dentro da massa de gente. O vozerio é alto e misturado com outros sons diversos. Eu desvio da vendedora ambulante de cafezinhos e coxinhas que tem uma só perna. Animada ele segue com a muleta que substitui a perna que lhe falta puxando seu carrinho cheio de isopores com produtos. Ufa! Cheguei à banca de laranjas, maças, entre outras frutas. Enquanto escolho as laranjas, troco conversas e brincadeiras com temas de futebol e samba com os ajudantes e o dono da banca, pago e vou para a próxima barraca. Cada feirante canta mais alto sobre seus produtos para chamar a atenção dos transeuntes, parecem tenores em plena ópera. O calor do sol é de rachar coquinho e fritar ovo no asfalto. Os cheiros se confundem: ora de frutas, ora de verduras, ora de frituras. Agora um perfume forte toma o ambiente todo e uma madame com seu cachorrinho a tira colo passa cheia de pose e queixo erguido. Seguindo a ela um moleque franzino ganhando para carregar pacientemente suas compras. Compro as bananas, depois a massa de pastel dos japoneses e agradeço enquanto levemente me curvo para frente e me despeço na língua deles. Parto. Pego uma propaganda política e compro uma raspadinha para tentar a sorte. Olho para o fim da feira as bancas de flores, cereais, condimentos, utensílios e bugigangas, mas hoje não vou levar nada dali. Paro na banca de verduras onde mais japonesas me atendem sempre sorridentes. Compro alface, chicória, salsinha, e mais um monte de coisas verdes e pago. Desejamo-nos boa semana e sorte. Sigo para a banca de legumes e no caminho encontro um conhecido. Falamos da política atual, opinamos, rimos e ou nos frustramos com assuntos do ontem, damos as mãos despedindo. Estaciono na banca de brinquedos de onde escapam bolhas de sabão e sons de apito que imita canário e adquiro uma lembrancinha para levar para uma criancinha muito querida. Alguns balões de gás tentam o tempo todo fugir para o céu aberto enquanto olhos perdidos de um menino de colo fixam neles. Vou em frente. Compro os legumes, depois os ovos e o carrinho lota. Ainda passo olhando a banca de roupas e depois a de sapatos. Penso em voltar para tomar um caldo-de-cana, mas já estou em cima da hora e pego de volta a rua de casa. Sinto-me feliz e vivo! Fazer parte deste espetáculo chamado feira-livre é mágico e divertidíssimo. Pena estar morrendo pouco a pouco.

domingo, 25 de setembro de 2011

O.Heinze em seu jardim


Cada batida de meu coração / por O.Heinze

Cada batida de meu coração
é uma afirmação de amor
de uma emoção sem causa
feito nascer do sol, da flor
se dando à torto e à direito
pois não se cabe em si.

E o universo, meu peito
se torna gratuito e pleno
do que importa: vida solta
durante o dia todo sereno
enquanto me escolta
um não sei quê de esperança
como se uma doce criança
aparecesse para mim sorrindo.
Fazendo meu coração renovado
leve, mais que abençoado
entre o acordando e dormindo...

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

É quase setembro / por O.heinze

É quase setembro
vivo por fora e por dentro
dessas coisas tidas por banais:
pássaros procurando amores
cantando cada vez mais
estufando suas cores;

insetos mergulhados no pólen
tocando gaitas de fole;
borboletas um tanto distraídas
pousando nas flores da vida;
enquanto um quê de amplidão
traz paz do céu para o chão...

É quase setembro
vivo no agora e no que lembro
dessas coisas tidas por banais:
árvores frutíferas em flores
enchendo de perfumes os quintais
e o coração de doces calores.
E dentro desse aberto templo
fico eu com o que contemplo,
sinto, aspiro e percebo;
mais o que nem percebo
dessa dádiva do bem
minha, de mais ninguém...

Santo André, 30/08/2011.