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terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Um Parafuso a menos / por O.Heinze

Vivo uma urgência em me completar

de algo que ainda não sei explicar. 

Busquei por coisas maravilhosas

na ânsia de preencher esta falta penosa,

mas ao dar-lhes as costas, ficaram para trás, 

pois do mundo não se leva nada, nem traz.

Sigo com esta sensação estranha, tipo, respirar uma vida inteira e não ter reserva de ar;

cultivar flores e mais flores que avivam e após seu glamour se desfazem num piscar.

Nada completa esta lacuna faminta 

de me fazer sentir a satisfação plena.

E pensar que sou feito da matéria

de estrelas desintegradas, pena,

não deveria me sentir disperso 

pois sou parte do universo,

mas a incógnita desta busca prossegue,

esta urgência em me completar

de algo que ainda não sei explicar. 

Já tive amor tão grande no coração,

paixão em erupção, ardente igual a vulcão, 

que derreteram em si mesmas, 

esfriaram e se tornaram rochas frias e crespas.

Tive a felicidade intensa que fugiu 

numa enxurrada de lágrimas amargas.

Quase fui engolido por mar e rio

e a morte pareceu uma pesada carga,

mas não preencheu o meu nada. 

Conheci igrejas suntuosas e imponentes,

de onde saí com menos de mim do que entrei.

Compreendo que as coisas do mundo passam, orei,

porque absolutamente tudo um dia acaba

e as coisas do espírito são intangíveis,

podem e não podem ser críveis. 

Incrível é a urgência em me completar

de algo que ainda não sei explicar,

pois posso dar a volta ao mundo

e tudo que trago na mente não me é oriundo.

O dinheiro não compra tudo!

Gastei mundos e fundos 

e nada completou o oco mudo

da parte que me falta, nem os Tundos.*

Sou mais um ruminador pastando no campo da ignorância humana;

voador sem asas, planando em minha fantasia insana;

submergido numa represa de conjecturas;

Enterrado em minhas raízes por esta procura,

que somente eu poderei um dia desvendar

e finalmente não sentir em mim o faltar

de algo que ainda não sei explicar.



*Tundos: Chefe de sacerdotes gentis, na África.  

Espécie de doutor, em escolas do Japão. 



Santo André, 29/12/2021.

Morrer é só um sonho / por O.Heinze

Morrer é só um sonho

por O.Heinze 


Morrer é uma maneira de mudar

para um novo experimentar. 

Igual barco que viveu a navegar

e cansa, afunda para vislumbrar 

lá ao fundo o seu novo lar.


É  fruta madura a se largar

da frondosa árvore da vida

e feliz sente ao despencar

o poder de ser incontida.

E ao chão se faz desmaiar

mas em contrapartida

seu núcleo renasce no pomar.


Morrer é um estado de sono

igual quando se vai dormir.

O cansaço é nosso dono

deixamos de aqui existir.

Na nova manhã iluminada

lentamente despertamos

com a vida renovada

sensação de que voamos.


Morrer é o fato de perder 

o ser que amamos

e seguimos sem entender:

se nos separamos

porque após tantos anos

ele ainda parece viver?!...


Santo André, janeiro de 2022.

Chove por dentro

A chuva que chora por ora

lavando os pecados 

de agora e outrora 

e chora mais na agonia

pelas lembranças da magia

quando houve vida e alegria

são passageiras

feitas as aves viageiras 

de menos um dia.


Às vezes, o tempo se atormenta 

em nuvens pesadas se arrebenta

engolindo tudo ao chão 

rasgando o céu com explosão

e sendo culpado ou não

uns e outros somem desta dimensão. 


Mas essa torrente não rega

o deserto da solidão 

dos olhos que ela escorrega

da pessoa em aflição. 

Então essa chuva somente goteja

nas várias flores já ceifadas

enfeitando o caixão que as leva

sobre a morte a ser sepultada.


Santo André, 8/1/2022.